terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A Desconsideração da Personalidade Jurídica.

              A “Disregard of Legal Entity”, ou melhor traduzida para o português, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, pode ser vista como um instituto jurídico de aplicabilidade recente no ordenamento brasileiro.

Antes de iniciar o estudo do referido instituto, vale informar essa teoria é uma das mais expressivas tendências experimentadas pelo Direito e como antecedente doutrinário, pode-se citar que tal sistematização se deve aos estudos desenvolvidos por Rolf Serick, em monografia que concorreu pela docência da Universidade de Tubingen, na década de 1950, e divulgada no Brasil pelo nobre Professor Rubens Requião, no trabalho “Disregard doctrine”, publicado pela Revistas dos Tribunais de 1969 (RT, vol. 410, os. 12-24).
Rubens Requião observa que sempre que a personalidade jurídica for usada como escudo da fraude e do abuso de direito, é justo o seguinte:

“Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos”.

Já, o Art. 48 do Anteprojeto de Código Civil, dispunha a seguinte redação: “A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da sociedade”, não prevendo, no entanto, a sanção típica da desconsideração da personalidade jurídica.
 

Sendo assim, consiste tal teoria, disposta no art. 50, CC/2002 e dispositivos da lei de defesa do consumidor (Art. 28, Lei nº 8.078/90), frear a atividade abusiva que muitas empresas.
A pessoa jurídica, ou melhor nesse caso a ser chamada de empresa, é ente capaz de direitos e obrigações, independentemente de seus membros, pois efetua negócios sem qualquer ligação com a vontade deles. Quando ocorre da empresa se desviar dos fins determinantes de sua constituição, ou quando houver confusão patrimonial, em razão de abuso de personalidade jurídica, caberá ao juízo competente, a requerimento da parte ou do Ministério Público, desconsiderar a personalidade jurídica da empresa, a fim de coibir fraudes de sócios, que dela se valeram como escudo. Subsistindo o Princípio da Autonomia Subjetiva da Pessoa Coletiva, que é distinto da pessoa de seus sócios.
 

Cabe a aplicação de tal teoria, no caso de sócios que tiram proveito da limitação de sua responsabilidade às quotas por ele integralizadas, na sociedade limitada, por exemplo, para desviarem a empresa do objeto social, ou então quando promovem confusão patrimonial ou dilação de capital social. Também cabe desconsideração da personalidade jurídica quando houver lesão a interesses legítimos dos demais sócios ou de credores da sociedade, estendendo-se judicialmente a execução por determinadas obrigações e dívidas da sociedade aos bens pessoais de tais sócios (especialmente aos bens particulares dos administradores).
O respeitado doutrinador, Silvio de Salvo Venosa, entende que: “A teoria da desconsideração autoriza o juiz, quando há desvio de finalidade, a não considerar os efeitos da personificação, para que sejam atingidos bens particulares dos sócios ou até mesmo de outras pessoas jurídicas, mantidas incólumes, pelos fraudadores, justamente para propiciar ou facilitar a fraude. Essa é a única forma eficaz de tolher abusos praticados por pessoa jurídica, por vezes constituída tão só ou principalmente para o mascaramento de atividades dúbias, abusivas, ilícitas e fraudulentas.

Saliente-se que a jurisprudência também tem prestigiado a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Sendo assim, vê-se, claramente, que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é exceção à regra da autonomia patrimonial da sociedade limitada. E, portanto, somente admitir-se-á tal teoria quando houver prova efetiva de administração ilícita, por meio de fraude ou abuso do direito. Vale salientar, que é a má gestão, a representação denotativa de desvio de finalidade do objeto social, de dispêndio patrimonial abusivo e malbaratamento dos bens sociais, com o propósito fraudulento, enganoso ou desonesto. E, é visível, que sua aplicação incida nos administradores e sócios que concorreram, por ação ou omissão, para o emprego abusivo ou fraudulento da empresa e, que, por conseguinte, serão responsabilizados pessoalmente pelas obrigações da sociedade empresária e pelos danos causados a terceiros de forma fraudulenta.

Se não houver qualquer um desses requisitos acima dispostos, descabe a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Para a segurança das relações negociais, deve ser respeitada e prestigiada essa forma de regulação de atividade empresarial. Porém, cumpre reiterar que não é qualquer ato irregular ou ilegal que autoriza o superamento da personalidade jurídica, eis que o mero descumprimento de mandamentos legais ou contratuais e redução de ganhos não bastam para isso.

Sem a presença da ma-fé e do desvio de finalidade , não cabe a aplicação de tal norma, sendo esse o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, conforme ensinamentos de Marlon Tomazzete, que opina o seguinte: “Desvirtuada a utilização da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que retirar os privilégios que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial no caso concreto, esquecer a separação entre sociedade e sócio, o que leve a estender os efeitos das obrigações da sociedade. Assim, os sócios ficam inibidos de praticar os atos que desvirtuem a função de pessoa jurídica, pois caso o façam não estarão sob o amparo da autonomia patrimonial (...)”.

Vale citar os dizeres do então Senador Josaphat Marinho, ao justificar sua emenda, no projeto de código civil, ao artigo 50, que registrou o seguinte: “Os doutrinadores que julgam essa providência admissível no direito brasileiro salientam, geralmente, que ela não envolve ‘a anulação da personalidade jurídica em toda sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito concreto’”.

Portanto, como desconsideração da personalidade jurídica, entende-se por ser um instituto que permite evitar fraudes aos credores e às pessoas lesadas com as atuações ilícitas e de confusão patrimonial das empresas.
Cabe reiterar que, o instituto em estudo confere ao juiz, em casos de fraudes e de má-fé, desconsiderar o princípio de que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros e os efeitos dessa autonomia para atingir e vincular os bens particulares dos sócios à satisfação das dívidas da sociedade. Seus efeitos são meramente patrimoniais e sempre relativos a obrigações determinadas.

Para Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra, pressuposto inafastável da despersonalização episódica da pessoa jurídica, no entanto,é a ocorrência da fraude pr meio da separação patrimonial. Não e suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência. A desconsideração é instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica que o pressupõe e o credor da sociedade que pretende tal desconsideração deverá fazer prova da fraude perpetrada, pois caso contrário deverá suportar o ônus da insolvência da devedora.
Vale citar, também, que o pressuposto a desconsideração, é a ocorrência de fraude perpetrada com uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Esta que é a formulação mais vista da teoria, dá relevo à presença de elemento subjetivo.
E, Fabio Ulhoa, ainda cita em sua obra o nobre Fábio Konder Comparato, que propôs uma formulação diversa da teoria, em que os pressupostos de sua aplicação são objetivos, como a confusão patrimonial ou o desaparecimento do objeto social. Por esta razão, chama-se a primeira de concepção subjetivista enquanto a última é chamada de concepção objetivista da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

De tudo o que foi exposto, verifica-se que é a tendência cada vez mais freqüente, no Direito brasileiro, de desfazer o mito da intangibilidade dessa ficção conhecida como pessoa jurídica – exacerbada, ultimamente, pela personificação das sociedades unipessoais- sempre que for usada para acobertar a fraude à lei ou o abuso das formas jurídicas.

Daniella F. P. Coelho - Artigo escrito para curso de Pós graduação em Direito Empresarial pela UCAM-RJ

BIBLIOGRAFIA:
1- COELHO, Fábio Ulhoa – Curso de Direito Comercial. Vol 02. São Paulo-SP- Editora Saraiva;
2- FIUZA, Ricardo – Novo Código Civil Comentado. 1ª Edição. São Paulo-SP. Editora Saraiva;

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